“Uma criança engoliu um objecto que não deve” é algo relativamente frequente. E como cresci a acompanhar histórias, destas pedi ao pediatra (HSJ) da Pipoca, que também é gastroenterologista e especialista em “pescar” coisas estranhas dos esófagos e dos estômagos das crianças, uma lista de recomendações sobre o que fazer em situações de ingestão de corpo estranho e o que fazer para evitá-las.
O que esconder/proteger?
Tudo é “ingerível”:
- peças de jogos
- alfinetes
- corta-unhas
- medalhas
- crucifixos
- anéis
- moedas (oh moedas então…)
- pilhas (dos mais perigosos, mas já lá vamos)
- soda cáustica
- lixívia industrial
- detergentes de casa
- borrachas
- botões
- berlindes
- ganchos
- etc.
No entanto, por vezes também há o azar de um pequeno osso de frango, uma espinha ou um caroço ficar preso na garganta.
Só acontece com os bebés?
A ingestão de corpo estranho (CE) é comum em idade pediátrica. A grande maioria ocorre antes dos cinco anos de idade e é acidental1,2.
No entanto, uma boa parte das crianças que ingerem coisas que não devem já tem bastante idade para ter juízo (6, 8, 10, 13 anos and so on…), embora, naturalmente, os bebés sejam mais propensos a ingerir objectos pela curiosidade natural, mesmo os mais improváveis. Exemplos? Um bebé de 7 meses engoliu um corta-unhas.
Só acontece por falta de cuidado?
Não, é impossível prever todas as situações e comportamentos curiosos e desenrasque das crianças. Mas a verdade é que muitas (demasiadas) vezes acontece por falta de cuidado. Há regras de segurança obrigatórias que, por vezes, são ignoradas, como o evitar colocar produtos perigosos em garrafas de bebidas. Ou dar objetos a crianças em idade de meter tudo à boca. Mas, como já deu para perceber pelo que escrevi acima, a falta de juízo também não ajuda. Mas há situações e situações.
Um pequenino deu uma pilha ao irmão bebé porque achava que este não falava por falta de pilhas.
Mais abaixo tem uma lista de recomendações sobre o que fazer para evitar situações destas.
Se houver ingestão, o que fazer?
Não mexer! Contactar a linha saúde 24 e/ou, no caso de ingestão de produtos tóxicos, o CIAV ( centro de intoxicações 808250143) e ir à urgência.
É necessário identificar a forma, tamanho, natureza e localização do que foi ingerido e presença ou ausência de sintomas para definir se há necessidade e qual a urgência de remoção por endoscopia.
Há situações menos problemáticas em que é possível aguardar que o objecto saia naturalmente, mas há outras, cerca de 10 a 20%, que carecem de intervenção1,2.
Seja qual for o tipo de objecto, JAMAIS tentar induzir o vómito à criança.
Se for um objecto e tiver tido a sorte de não ficar “encalhado” à descida poderá ficar à saída. Se a criança tiver ingerido um cáustico, em princípio o estômago neutralizará, pelo que forçar a sua saída provocará uma segunda queimadura na boca e esófago.
NUNCA dar pão ou outro tipo de comida “para ajudar a descer”.
Porque
se der e não resultar, em vez de um osso fica um bolo a tapar o caminho o que tornará muito mais difícil a visibilidade e acesso para remover o bloqueio via endoscópica.
a endoscopia só pode ser feita em jejum, para que não haja uma aspiração do vómito para as vias respiratórias (MUITO PERIGOSO) e quanto mais comida estiver no caminho maior risco há de tal acontecer
NUNCA dar nenhum “neutralizante”, como leite ou seja o que for.
Os produtos têm composições e reações diferentes e, em situação de perigo, o ideal é mesmo NÃO MEXER MAIS. Para além disso, tal como no ponto acima, a endoscopia só pode ser feita em jejum, pelo que quanto mais comida se der mais terá de esperar para que possa ser feito um exame.
A ingestão de pilhas são das situações mais urgentes e perigosas e exigem ida IMEDIATA à urgência.
As pilhas em risco de libertação de líquido e as de botão são das situações mais críticas pelo risco de queimadura.
Quando uma pilha de botão entra no esófago, que é uma passagem estreita, os pólos entram em contacto com as mucosas húmidas provocando uma descarga e consequente queimadura. Mesmo assim não dar nada para comer para empurrar a pilha, sob pena de não resultar e piorar a situação.
O teste do peito de frango
Num pedaço de frango foi colocada uma pilha de botão. Começou, pelo contacto com os pólos, a queimar e a espumar.
Recomendações para evitar situações de ingestão de corpo estranho
Se não é bom para brincar, não é bom seja em que circunstância for.
Isto incluí as moedas de troco e todas as situações “é só para brincar aqui, que estamos a ver”. As crianças não são porquinhos mealheiros para brincar com moedas, ok? :p
As regras devem ser iguais para todos. Seja com o pai, mãe, tio, avó, ama, etc..
NUNCA colocar produtos não alimentares em garrafas/recipientes de produtos alimentares.
O ideal, sobretudo havendo crianças em casa, é usar garrafas com tampas de segurança (daquelas que até nós, muitas vezes, temos dificuldade em abrir), devidamente identificadas e colocar sempre fora do alcance das crianças ou proteger o armário com um fecho de segurança. Ainda me lembro de, há uns anos, uma miúda ter bebido soda cáustica que estava dentro de uma garrafa de sumo na cozinha.
Jamais dar um brinquedo à criança que não tenha as pilhas protegidas ou que tenha peças soltas.
Não deixar ao alcance de crianças pequenas peças e objectos perigosos.
Comer comida, deixar os objectos quietos 😉
Mas atenção… estas recomendações também são muito válidas para quem tem animais de estimação!!!!
Referências
1. Michaud L, Bellaiche M, Olives JP. Ingestion de corps étrangers chez l’enfant. Recommandations du Groupe francophone d’hépatologie, gas- troentérologie et nutrition pédiatriques. Arch Pediatr 2009;16:54-61.
2. Bettali P, Rossi A, Bini M, Bacis G, Borreli O, Cutrone C, et al. Update on caustic and foreign body ingestion in children. Diagnostic and Therapeutic Endoscopy Volume 2009: 969868. doi: 10.1155/2009/969868.
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