Respiro fundo e inspiro novamente a data de hoje.  Fez esta noite um ano que tive medo de te perder. Que senti mesmo que te podia perder, não era “só” mais uma infecção.

Segundo internamento. A evoluir favoravelmente até que, no segundo dia à noite, tudo começou a piorar.
Não me vou alongar, não quero reviver e neste momento já não sinto necessidade de libertar tanta coisa que ficou presa na altura. Estavas pior, eu sabia. EU SABIA.

A enfermeira insistia que era da barriga, que estavas com cólicas e que estavas constipada (tinhas espirrado duas vezes ou três, como sempre o fizeste desde que nasceste e nada tinha a ver com constipação). E eu a ver-te pior. E ela a ignorar. A minha mãe viu o mesmo que eu. Foi atrás da enfermeira, chame a médica por favor!

A médica apareceu. Foi um ANJO a quem devo muito. Devo-te a ela, provavelmente.
A enfermeira, a passar a informação, insistia na constipaçãozinha, nas cólicas (sim, que tinhas). E eu perdi a presença de espírito. Gritei. Toda a minha alma gritou por ti.

Páre de dizer que é constipação! Ela está mal, está a piorar, ela não está bem!!!! Páre de dizer que é disso porque não é, eu conheço a minha filha, EU CONHEÇO-A E ELA NÃO ESTÁ NADA BEM!!!!!!!

A médica parou, olhou para mim e disse “esta bebé não está nada bem e a mãe também não. A mãe conhece-a melhor do que nós, vamos já dar-lhe mais antibióticos e vamos ter de fazer todos os exames, está bem?” “Faça o que for preciso, mas ponha-a bem!!!!!!”

Mais análises ao sangue, à urina, às fezes e punção lombar.

Foste colocada com monitorização cardíaca e respiratória. Quando finalmente adormeceste eu repousei perto de ti, mas o meu coração, cérebro e tudo o mais parou, congelou, quando o monitor desatou a apitar. Pensei mil e uma coisas, rezei a todos os deuses naqueles segundos seguintes. Mas era só mau contacto. Estavas estável.

Infecção urinária, gastroenterite e sepsis.

(Nessa semana o F., que também estava no isolamento, um rapagão de barba rija com quem já me tinha cruzado durante o primeiro internamento, partiu. Nunca cheguei a falar ele ou com a mãe. Mesmo assim, senti uma profunda solidariedade e pena por aquela mãe, por aquela perda e dor tão grande que parece impossível existir. Nessa noite acordei várias vezes, completamente em choque. Hoje, o meu coração também está com aquela mãe.)

Desta vez não consegui atender telefonemas. Sei que queriam dar apoio mas, no fundo e inconscientemente, também precisavam de boas notícias. Do meu apoio. Que fosse eu a dar alento, a descansar. E eu simplesmente não conseguia dá-lo. Escolhi ir falando com algumas pessoas que me “aguentassem”, me distraíssem nos momentos em que ela ia ser picada de novo, que me mantivessem em cima e me dessem força. E quanta me deram!

Nos dias que se seguiram eu fui cada vez mais ao fundo apesar de tu, aos poucos, teres começado a melhorar. Sentia-me completamente impotente. Ao contrário do que seria esperado, não deixaste de mamar, nem mesmo quando te puseram a soro para controlar a eliminação de líquidos. Até que uma vez vomitaste um pouco. E a seguir não quiseste mamar. Perfeitamente normal, tendo em conta o contexto. Perfeitamente expectável. Mas nesse momento eu senti que a única coisa que ainda podia fazer por ti tinha sido suspensa. Queria por-te boa, precisava de te ver boa, longe dali. Mas não podia fazer nada que outros não pudessem fazer também ou muito melhor. Não te podia salvar e só podia esperar…

A dor que senti era verdadeiramente insuportável. Como se ocupasse todo o meu peito e tirasse a minha alma. Quase não conseguia engolir, respirar, mexer-me. A dor de te ver assim era absurda, imensa, um atropelamento constante. A dor não acabava porque o amor também não. (Não imagino sequer a força, coragem e resistência que as mães com filhos doentes durante meses, anos, precisam de ter…)

Até ao momento em que começaste a chorar. A avó pegou em ti mas não acalmaste. Peguei eu e tu sossegaste. E aprendi que o pouco que eu tinha era muito.

Foi nestes momentos que compreendi verdadeiramente a necessidade de acreditarmos em algo maior do que nós.

Mas já passou um ano. E decidi que seria de celebração o dia de ontem. E foi. E hoje também.

Já passou um ano! Fomos ver o farol, como te prometi que o faríamos depois de teres ficado tão deslumbrada com o desenho do farol que havia na parede da sala de observação. E veremos muitos mais. Mesmo no escuro há sempre uma luz à nossa espera.